SAUDADES DO BRASIL

Luiz de Aquino - Rondò de menino pobre


uma homenagem ao meu escritor preferido, Luiz de Aquino. Rondó de menino pobre Era caldo de manga maduracorrendo amarelo no peito pelado.Era bola de meia no meio da ruaou a tarde de sol na beira do córrego– era assim que eu era criança.Eram tardes inteiras fechado em casa,a cara no meio da meia-janela,vendo passar devagar pela tardeboiadas inteiras de bois curraleiros– era assim que eu era criança.Era um tal de acordar muito cedo,beber leite quente e pedir a bênção à mãe,correr para a escola e dar a lição todinha de corante a brabeza de Dona Vanda professora– era assim que eu era criança.E quando chegava o tempo das chuvas,as ruas desnudas perdiam o pó e tudo era barro.Eu fazia barquinhos de jornal e construía pontessobre os rios miúdos e torrentosos– era assim que eu era criança.Não havia televisão nem brinquedos eletrônicos,astronauta era mentira de livro de ficção.Nos tempos de mais calor, eu caçava vaga-lumesna escuridão das noites de minha infância– era assim que eu era criança.Um dia, cresci depressa.Criei barba, falei grosso, troquei as calças curtaspor roupas de gente grande.A escolinha se acabou e aprendi contas maiores.A língua mudou de jeito, diziam “rau ariú, um beijo,ai loviú” – virei rapaz duma vez.Não mais o cascalho das ruas, não mais.Não mais a lama das chuvas,futebol no meio da rua, coalhada antes de dormir.Não mais brincadeira de pique, estilingue,finca ou carrinho; não mais banhos de córregonem medo de chinelo velho – chantagem feito ameaçados pés para as mãos de mamãe.Hoje, a barba grisalha e os filhos não mais crianças,dói fundo no fundo do peitoa saudade do menino magricela– era assim que eu era criança.(do livro Sarau; Luiz de Aquino - Goiânia, 2003)